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À espera da sentença da Odebrecht


É esperada para os próximos dias a sentença do juiz Sérgio Moro a respeito do caso de maior apelo no mundo empresarial entre todos os derivados da Operacão Lava Jato – aquele que envolve a empreiteira Odebrecht. No final de janeiro, o Ministério Público Federal (MPF) apresentou as alegações finais em que tenta responder às contestações da defesa e reitera seus pedidos de condenação contra os réus. Faltam apenas as alegações da defesa para emissão da sentença.

Não há, no documento apresentado pelo MPF, muita novidade em relação aos pedidos originais da denúncia, apresentada no final de julho do ano passado. A eloquência das provas de lavagem de dinheiro e dos depoimentos que corroboram os atos de corrupção deixaram pouquíssima margem de manobra para a defesa. Em momento algum, ela poderá contestar o conteúdo das provas ou daquilo que elas demonstram. Restou atacar a legitimidade na obtenção delas – e a Lava Jato como um todo.

O MPF indentificou ao todo oito itens levantados pela defesa para refutar as acusações: inépcia da denúncia, impossibilidade de reunir todos os eventos num único processo, ilegalidade das obtenção das mensagens de Blackberry, ilegalidade das provas obtidas por busca e apreensão, ilegalidade das provas obtidas por cooperação jurídica internacional na Suíça, cerceamento da defesa, vícios nas colaborações premiadas e publicidade opressiva pela divulgação à imprensa.

Boa parte dessas contestações são genéricas. Fazem parte da chiadeira que tem se tornado mais e mais frequente entre os advogados. Incapazes de negar a realidade dos crimes, passaram a usar manifestos, petições e entrevistas para acusar os métodos da Lava Jato e falar numa fantasiosa “ameaça ao estado de direito”. É o caso dos ataques às delações premiadas e alegações de “inépcia”, “cerceamento de defesa” e “publicidade opressiva”. Para refutá-las, basta lembrar que dezenas de recursos às decisões de Moro foram apresentados aos tribunais superiores, que mantiveram mais de 95% de suas decisões.

Outras alegações, contudo, merecem um exame mais detido, sobretudo aquelas que se referem à ilegalidade de provas ou à avaliação de prejuízos. Os procuradores da Lava Jato costumam se dar muito bem na condução dos processos de acordo com as normas jurídicas, mesmo que às vezes dêem a impressão de avançar o sinal. Pretendo analisar mais detidamente, num post futuro, as alegações da defesa a respeito da ilegalidade das provas – de modo sumário, é razoável afirmar que elas apenas atrasam o processo, mas não o prejudicam.

Em compensação, é flagrante a falta de familiaridade dos procuradores com o mundo dos negócios, como escrevi ontem. Tal limitação os leva a tomar como verdadeiras hipóteses que, ainda que mantidas por Moro em sua sentença, deverão ser contestadas nos tribunais superiores. A principal consequência disso é tomar a Petrobras como vítima, mesmo naqueles casos em que, seja por erro de gestão, seja por conluio com os acusados, ela foi também responsável pelos resultados dos crimes.

O caso mais evidente – de que já tratei em post anterior (vale a pena ler para entender os detalhes) – é o cálculo das perdas da Petrobras com o contrato firmado em 2009 para a venda de nafta à Braskem, empresa controlada pelo grupo Odebrecht. Apenas para tal contrato, os procuradores pedem dos réus uma restituição de R$ 6 bilhões a título de reparação – ante R$ 1 bilhão para os demais 20 contratos de obras de que trata a denúncia.

Não há dúvida, após uma leitura das provas, de que o ex-diretor Paulo Roberto Costa recebeu propina para operar em favor da Braskem na negociação do contrato e conseguiu que ele fosse fechado em termos desvantajosos para a Petrobras. A questão é calcular o valor do prejuízo causado pela corrupção. A Petrobras perdeu dinheiro porque foi obrigada a importar nafta para honrar o contrato, num momento em que os preços estavam em alta. Mas teve de fazer isso não apenas em virtude dos termos impostos por Paulo Roberto. A importação se tornou necessária porque a produção nacional de nafta foi desviada da petroquímica para fabricar gasolina, cuja demanda estava em alta, graças aos preços mantidos artificialmente baixos pelo governo.

Num documento de 24 de setembro do ano passado, tornado público agora em janeiro no processo da Lava Jato, o Departamento Jurídico da Petrobras afirma textualmente (fác-símile a seguir), em resposta a um ofício do delegado da Polícia Federal Eduardo Mauat da Silva:

– O contrato foi negociado num cenário que indicava, de forma consistente, que a Petrobras seria excedentária na fração de nafta/gasolina. Ocorre que, ao longo da execução do contrato, notadamente a partir de 2011, fatores mercadológicos alheios à gestão da Petrobras e não previsíveis à época da negociação alteraram esse quadro, tendo a companhia passado a ser deficitária na fração nafta/gasolina. Tal déficit (…) levou a Petrobras à necessidade de importações crescentes de nafta e, consequentemente, trouxe prejuízo para a Petrobras, pois o preço de aquisição da parcela de nafta que passou a ser importada era superior ao seu preço de venda no mercado interno. Esse prejuízo é decorrente de uma alteração imprevisível no mercado de nafta, ocorrida após a celebração do contrato.
 
Nada disso inocenta os acusados de corrupção. Mas é injusto atribuir à ação deles todo o prejuízo de um contrato que resultaria em perdas de qualquer forma, uma vez que a Petrobras pagou mais caro pela nafta importada não em virtude da corrupção, mas por causa da política equivocada de combustíveis no governo Dilma Rousseff. Não fosse isso, as perdas teriam sido menores – e, aí sim, poderiam ser atribuídas apenas à ação dos acusados.

O cálculo correto das perdas deveria, portanto, levar em conta as hipóteses da ocasião em que a corrupção foi cometida, não as variações posteriores – e imprevisíveis – do mercado. Se a Petrobras tivesse fechado o contrato nos patamares anteriores à manobra de Paulo Roberto em favor da Braskem, provavelmente também teria importado nafta e tido prejuízo com isso. Para estimer o custo da corrupção, basta subtrair do prejuízo efetivamente registrado o prejuízo hipotético que ela teria, se tivesse precisado importar a nafta, mas não obrigada a praticar os preços estipulados por Paulo Roberto.

Em documento datado de 23 de julho de 2015, os advogados da Petrobras estimaram em 10,9 milhões de toneladas a quantidade de nafta importada e em 22,5 milhões de toneladas a produção nacional. Também apresentam uma tabela com a cotação do preço básico usado para calcular o preço da nafta, conhecido como preço ARA, cuja média ficou em US$ 821,3 durante o período. Tal documento foi emitido em resposta à indagação do MPF, aparentemente à revelia da área técnica, que se recusava a fornecer uma estimativa dos prejuízos.

Para estimá-los, o MPF somou dois cálculos fornecidos pelos advogados. Na parcela de nafta importada, assumiu a diferença entre o preço pago por ela (104% ARA) e o piso estabelecido por influência de Paulo Roberto no contrato (92,5% ARA) – isso deu um total aproximado de US$ 1,02 bilhão. Na parcela de nafta doméstica, assumiu a diferença entre o preço inicialmente estabelecido pela diretoria antes da intervenção de Paulo Roberto (97% ARA) e o piso depois firmado no contrato (92,5% ARA) – o total foi estimado em US$ 800 milhões. A soma dos dois valores equivale aos US$ 1,82 bilhão de restituição pedida pelo MPF, ou pouco mais de R$ 6 biilhões, segundo o câmbio do dia da denúncia.

A área técnica sustentava, em documentos anteriores, que não haveria perdas para a Petrobras caso a Braskem pagasse até um patamar de 91,2% ARA. Com base nisso, a defesa da Braskem argumenta que o contrato não gerou prejuízo algum. Mas esse raciocínio supõe que a Petrobras poderia subsidiar a Braskem, desde que não tivesse prejuízo com isso. Tal argumento não faz sentido.  Não é correto, como quer a defesa da Braskem, confundir o prejuízo da Petrobras (que poderia muito bem não ter existido se não houvesse a importação) com as perdas relativas ao contratro (que certamente existiriam, pois a diretoria aprovara um piso de 97% ARA, depois reduzido para 92,5% ARA).
 
A conta final deveria ter sido diferente. Numa simulação simples, o total da nafta vendida à Braskem, de 33,4 milhões de toneladas, poderia ter sido multiplicado pela diferença entre o piso aprovado pela diretoria (97% ARA) e o piso forçado por Paulo Roberto (92,5% ARA), desconsiderando a necessidade de importar o produto. Daria aproximadamente US$ 1,2 bilhão. Ainda seria um valor alto, mas este poderia ser em tese atribuído apenas à corrupção. A Petrobras não foi, porém, capaz de apresentar esse cálculo, nem nenhum outro mais detalhado para estimar suas próprias perdas. Por que será?

Fonte: G1 - Helio Gurovitz