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A refundação da Petrobras


A falta de disciplina de capital da Petrobras fez com que em período de apenas 5 anos findos em dezembro de 2015, sua dívida líquida aumentasse em R$ 331 bilhões e seu saldo de leasing operacional em R$ 307,2 bilhões. Os expressivos investimentos realizados não geraram os resultados esperados.

A produção de petróleo no Brasil cresceu apenas 6,2% neste período e a meta de produção para 2020 é de apenas 2,7 milhões de b/d (barris por dia), já tendo sido de 4,2 mm b/d no Plano de Negócios de 2011-2014. A média de produção de petróleo no 1º trimestre de 2016 foi igual à média anual em 2012. Na área de abastecimento, os investimentos no Comperj e nas novas refinarias foram desastrosos, tendo sido amplamente divulgados na mídia.

A Petrobras, por ser uma sociedade de economia mista, além de ter objetivo comum às sociedades privadas, é instrumento de atuação do Estado, devendo também perseguir objetivos de interesse público. O porte e histórico de sucesso da Petrobras a tornou equivocadamente um verdadeiro Estado dentro do Estado brasileiro. Arcou com desde subsídio dos preços de derivados até o papel de grande indutor de crescimento do PIB industrial brasileiro. Quando o setor elétrico começou a dar sinais de problemas, foi escalada para acudi-lo.

Imposição de ser operadora única e deter no mínimo 30% dos blocos significa um pesado ônus

A Lei de Petróleo, aprovada há 18 anos, refletiu o entendimento que a desregulamentação de preços era fundamental para atrair investimentos para o segmento de refino e estabeleceu um período de transição, com término previsto para dezembro de 2001. A Lei de Petróleo também determinou acerto de contas entre a União e a Petrobras relativo à conta petróleo, derivados e etanol até o fim do período de transição.

Destacamos importantes pontos contrários à ingerência política na Petrobras: 1- objetivos de interesse público não se confundem com interesses político partidários; 2- o Artigo 116 da Lei das S.A. diz que "o acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social, e tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender"; e 3- a Lei de Petróleo é clara no sentido de que política de preços do governo (no caso de haver) deve ser arcada pelo governo e não pela Petrobras e outros participantes da indústria.

A imensa destruição de valor da Petrobras foi causada por diversos fatores: 1- perda de foco de atuação; 2- falta de disciplina de capital; 3- expressivas falhas em sua governança corporativa; e 4- imenso escândalo de corrupção revelado pela operação Lava-Jato.

É curioso observar que em junho de 2012, durante a apresentação do Plano de Negócios e Gestão 2012-2016 (PGN), sua diretoria, ao falar da refinaria Abreu Lima, disse que era uma experiência a ser aprendida para nunca ser repetida, pois a construção estava com atraso de 3 anos e seu orçamento tinha aumentado de US$ 2,3 bilhões para US$ 20,1 bilhões.

A diretoria também disse que "são evidentes o descumprimento integral da sistemática de aprovação de projetos e a existência de falhas no acompanhamento físico e financeiro da obra". A admissão destes problemas foi surpreendente e parecia indicar que haveria uma importante melhoria na governança da empresa. Essa expectativa foi imensamente frustrada. O nível de dívida líquida/Ebitda atingiu 5,3 vezes em 31 de dezembro de 2015, sendo importante ressaltar que este valor de 5,3 vezes baseia-se em Ebitda ajustado pela companhia (R$ 75,9 bilhões) expurgando o efeito de impairment de ativos realizado no montante de R$ 47,7 bilhões.

O porte da Petrobras e seu impacto na economia brasileira exigem urgentes medidas visando sua refundação. Sob a ótica de gestão da empresa os três pontos críticos são:

1- Melhorar sua governança corporativa: a empresa precisa ser blindada contra ingerência política, ter Conselho de Administração altamente eficaz, ter firme liderança de sua diretoria, recuperar meritocracia na empresa, assegurar o cumprimento de seus processos e controles, disseminar a ética como grande pilar dos negócios e introduzir grande disciplina de capital.

2- Plano Estratégico de qualidade e realista: cabe ao Conselho de Administração decidir sobre direcionamento estratégico da empresa. A Petrobras precisa reduzir as suas áreas de atuação, focando nas mais atrativas. Programa de desinvestimento deve priorizar área de downstream.

3 - Melhorar sua estrutura de capital: as negociações com investidores tendem a ocorrer em termos mais favoráveis e serem mais efetivas se perceberem melhoras expressivas na sua governança e tiverem confiança na qualidade e robustez do plano de negócios da empresa. A experiência da capitalização em 2010 foi muito traumática para os investidores.

Sob o ponto de vista setorial, é fundamental que o Regime de Partilha seja revisto, a imposição de a Petrobras ser operadora única e deter no mínimo 30% dos blocos licitados significa um pesado ônus para a empresa. No momento, não faz sentido a Petrobras participar de licitações, já que detém volume expressivo de áreas a serem desenvolvidas e sua situação financeira não permite. Caso o modelo não seja revisto, a Petrobras se tornará um limitador para a indústria de petróleo brasileira.

Sob a ótica de seu acionista controlador, é fundamental blindar a Petrobras contra interferências políticas e indicar para o seu Conselho de Administração, conselheiros altamente qualificados, cientes de suas responsabilidades e de seu dever de lealdade com a empresa.

A manutenção de política de preços com prêmio sobre preços internacionais de derivados é importante durante algum tempo para geração de caixa. O governo precisará aumentar a alíquota da Cide na importação para coibir possível arbitragem por parte de importadores.

Os desafios da reconstrução são imensos e seu tempo de execução será longo, porém o caminho é conhecido. Longo histórico de sucesso e a recente destruição de valor da Petrobras deixaram fortes registros do que funcionou e o que não funcionou. Se o tripé governança, plano estratégico e capitalização estiverem bem endereçados, os resultados virão!

Adriano Pires é diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura/Ana Siqueira é especialista em petróleo

Fonte: Valor Econômico