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Programa de demissão da Petrobras atrai mais de 2.000 jovens


Estatal busca reduzir custos, mas corre risco de perder talentos

RIO - O sonho de fazer carreira na Petrobras, uma das maiores empresas do país, não está mais no horizonte de muitos jovens brasileiros. Afetada pelo alto endividamento, agravado pela queda do preço do petróleo em 2016, e abalada por escândalos de corrupção, a companhia recorreu a um amplo plano de reestruturação que prevê redução de funcionários e fim de benefícios. O corte na carne, porém, traz consequências que vão além da almejada redução de custos, como a evasão de jovens talentos. No último Programa de Incentivo ao Desligamento Voluntário (PIDV), 18% dos 11.878 funcionários que aderiram tinham até 39 anos. Na ponta do lápis, são mais de 2.100 jovens interessados. Entre os 4.744 que já deixaram a companhia, 12% tinham até 39 anos.

— É um número significativo e surpreendente. Em geral, programas de demissão voluntária atraem pessoas que estão próximas da idade de se aposentar. Esses números mostram que, mesmo em tempos de crise, as molas que impulsionam os jovens na busca por experimentar o novo se mantêm — afirma Paulo Sardinha, presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos do Rio de Janeiro (ABRH-RJ).

As razões que levam esses jovens a abrir mão de um emprego estável e bem remunerado — num momento em que a recessão já empurrou 12 milhões de brasileiros para o desemprego — vão desde a insatisfação com a redução de benefícios até a falta de perspectiva profissional. A maioria disputou uma vaga quando a Petrobras mantinha um desafiador plano de negócios, com investimentos em ascensão e boas perspectivas no setor de petróleo a partir da descoberta do pré-sal, em 2006. Hoje, a realidade é outra. Na renegociação salarial de 2016, a companhia propôs jornada menor de trabalho e redução no valor de horas extras.

Entram na lista das razões para aderir ao PIDV a busca de maior qualidade de vida e a chance de tirar do papel um projeto empreendedor com a rescisão. Diferentemente do PIDV de 2014, quando o plano era restrito a pessoas com 55 anos de idade ou mais e aposentados pelo INSS, o de 2016 foi aberto a todos na holding Petrobras, sem distinção de idade ou tempo de casa. Pelas regras do PIDV, o piso da indenização é de R$ 211 mil, o que contribuiu para atrair os mais novos. O teto está na casa dos R$ 700 mil.

VEIA EMPREENDEDORA E MAIS TEMPO PARA OS FILHOS

Com os R$ 200 mil que recebeu ao deixar a Petrobras, em outubro, o geofísico André Acquaviva, de 35 anos, quer abrir a segunda unidade de seu bar, A Melhor Costelinha do Mundo, inaugurado há um ano, no Centro do Rio. Nascido em Varginha (MG), quer se dedicar aos negócios que abriu enquanto trabalhava na estatal — tem quatro unidades de uma rede de lanchonetes — e ter mais tempo para o filho, de 5 anos, que mora em sua cidade natal.
Empreendedor. Com a indenização, o geofísico André Acquaviva planeja abrir a segunda unidade de seu bar no Centro do Rio - Guito Moreto / Guito Moreto

— Fiquei 11 anos na Petrobras, dos quais seis trabalhei embarcado. Ganhava R$ 180 mil por ano, incluindo salário e benefícios. Aproveitei para montar alguns negócios e senti que era uma oportunidade para expandir essa veia empreendedora. Poder ficar mais tempo com meu filho pesou muito na decisão — diz Acquaviva.

André Nolasco, diretor da empresa de recrutamento e seleção Michael Page, lembra que a decisão de ficar ou sair de qualquer empresa costuma estar assentada no tripé remuneração, perspectiva profissional e ambiente de trabalho. Na Petrobras, diz, os três pilares estão abalados:

— O pagamento de adicional por função (para os que ocupam cargo de chefia, por exemplo) foi cortado. No futuro próximo, não há grandes perspectivas de novos projetos, pois a ordem é desinvestir. E o ambiente está muito carregado, devido ao escândalo de corrupção. Há descrédito da instituição e muitos já pensam se o currículo ficará manchado pela passagem na Petrobras.

Essa situação contamina especialmente os mais jovens. Gente que está na faixa dos 30 anos e que pertence a uma geração para a qual a estabilidade não é um bem tão valorizado, mesmo em tempos de crise. São pessoas que querem resultado rápido e têm ambições que a companhia não está sendo capaz de atender, como uma jornada de trabalho mais flexível ou a promessa de crescimento na hierarquia corporativa.

— Os jovens de hoje têm vínculos mais frágeis com as organizações. A empresa é uma ponte para que eles possam chegar a algum lugar — diz Sardinha, da ABRH-RJ.

Nolasco ressalta que o cenário para as concorrentes da Petrobras começa a melhorar no Brasil. Com a mudança na lei do pré-sal, que desobrigou a estatal de ser operadora dos campos, e a perspectiva da retomada dos leilões de petróleo em 2017, algumas companhias começam a se movimentar e buscar informações junto a empresas de recrutamento sobre estrutura salarial.

— Os profissionais da Petrobras são potenciais candidatos — afirma Nolasco.

À crise da Petrobras se soma a crise do Rio e do Brasil. Com o estado quebrado e o aumento da violência urbana, muitos pretendem aproveitar o PIDV para mudar de cidade e buscar uma vida mais tranquila. Deborah Vieira, de 32 anos, é advogada da Petrobras e está na empresa há seis anos e meio. Deixa a empresa neste mês. Resolveu aderir ao PIDV porque quer mais qualidade de vida. Nascida em Belo Horizonte e grávida do segundo filho, está assustada com a violência urbana no Rio.

— Fiz concurso porque achava que a empresa conciliava o trabalho desafiador da iniciativa privada e a estabilidade do serviço público — diz Deborah, que ingressou na estatal influenciada pelo pai, que fez carreira na empresa. — Quero ter mais tempo para meus filhos e para mim. Vou mudar de cidade e de carreira. Pretendo me dedicar à tradução jurídica, que tem horário de trabalho mais flexível.

Na Petrobras, ela trabalha de 10h às 19h e tem salário acima de R$ 15 mil, além de auxílio-creche e plano de saúde. Vai levar cerca de R$ 200 mil de indenização. Outro funcionário, de 34 anos, que aderiu ao programa, mas não quis se identificar, pois trabalhará até março na área de serviços, pretende viajar para o Canadá:

— Vou para Vancouver. Vou conseguir estudar e me manter por dois anos. No Brasil, a economia está sem perspectivas, e a Petrobras só corta projetos. Meu medo é a companhia forçar a demissão de concursados ou acontecer o que está acontecendo com os funcionários do Estado do Rio. Não quero isso. Sou muito jovem para ficar vendo isso: todo mundo em compasso de espera.

ECONOMIA POTENCIAL DE R$ 33 BI ATÉ 2020

Para o diretor de Relações Institucionais do Sindipetro Caxias, Sérgio Abbade, a principal motivação dos mais jovens foi a questão econômica: em alguns casos, ainda estão cursando a faculdade e viram a chance de receber um volume de recursos que levariam anos para receber:

— Eles preferem pegar a indenização pois acreditam que, com a formação, conseguirão arrumar outro emprego ou construir outra história de trabalho.

A prioridade da Petrobras é a recomposição das finanças. Segundo números internos, estima-se que a redução de 12 mil empregados, com custo previsto de R$ 4,4 bilhões, trará economia de R$ 33 bilhões até 2020. José Maria Rangel, coordenador da Federação Única dos Petroleiros (FUP), critica a atitude da estatal. Ele cita a proposta de dividir o reajuste salarial do ano de 2016 em duas etapas.

— A Petrobras está querendo retirar tudo, com a redução dos direitos trabalhistas. Acho os PIDVs um grande equívoco. É preciso ver os efetivos nas unidades, ver quem está apto e, então, fazer uma adaptação. Não se pode tratar funcionários como redução de custo e rentabilidade — diz Rangel.

Além da renegociação salarial que se arrasta há meses, as queixas têm origem na redução de cargos gerenciais em áreas não operacionais. A meta é eliminar 1.590 dessas funções — ou 30% de um total de 5.300. A medida ajudará a gerar economia de R$ 1,8 bilhão por ano num pacote que reduziu o número de diretorias e funções na alta administração.

— Vejo muita gente insatisfeita com a companhia e com o país. Saí porque o dinheiro era bom e poderia quitar meu apartamento. A Petrobras é uma empresa grande, mas hoje tudo é temporário. Veio a Graça, que saiu. Depois, o (Aldemir) Bendine. E, agora, o (Pedro) Parente, que deve ficar até o fim do governo. E cada um desses presidentes é uma estratégia. Em comum, só o corte de custo. Não aguento isso. Sinto-me como se não conseguisse me desenvolver. Um amigo meu largou tudo e vai em março do ano que vem para o Iraque — conta uma economista da Petrobras, de 37 anos, que não quis se identificar e que também aderiu ao PIDV.

Em entrevista recente ao GLOBO, o presidente da Petrobras, Pedro Parente, afirmou que há risco de perder talentos com o PIDV, mas que não há como evitar. Segundo ele, o programa adotado é desenvolvido para companhias que contrataram por concurso público e tem menos problemas sob o ponto de vista da relação trabalhista:

— É da natureza do programa que você pode fazer certos direcionadores, mas não pode individualizar. Portanto, o risco de perder talentos existe. Ele tem várias vantagens e tem uma desvantagem, que é exatamente essa. A gente não pode dirigir (o programa) no último grau, pessoa a pessoa, quem pode e quem não pode aderir.

A estatal avalia que continua atraente. “Entre os empregados que se desligaram por meio do PIDV 2016, 12% tinham menos de 40 anos. Pesquisas apontam que a Petrobras continua atrativa. Este ano (2016), o ranking denominado Empresa dos Sonhos dos Jovens revelou que a companhia fica atrás apenas da Google na avaliação dos estudantes e recém-formados que disputam uma vaga no mercado de trabalho no Brasil”, disse. Além disso, “a Petrobras é a empresa mais desejada para se trabalhar entre os estudantes de Engenharia brasileiros, de acordo com a mais recente pesquisa da Universum, consultoria internacional especializada em marcas. Para chegar ao resultado, foram ouvidos estudantes de 137 universidades do país e recebidas mais de 236 mil avaliações de empresas”, completou.

Fonte: O Globo