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Pós-Lava Jato, a Petrobras fica cada vez mais enxuta e menos estatal


Empresa prioriza redução da dívida e foco nos resultados, abre mão de áreas de negócios, como fertilizantes e biocombustíveis, e deixa de lado papel de motor da indústria nacional
 
A Petrobras da era pós-Lava Jato é uma empresa menor e cada dia mais preocupada em gerar resultados para seus acionistas, não tão voltada aos interesses do Governo, dona de um terço de capital social. Nos últimos três anos, os investimentos caíram para menos da metade, e o número de trabalhadores vinculados à companhia foi drasticamente reduzido. Boa parte de seus ativos está à venda, e a empresa procura sócios internacionais. A Petrobras não subvenciona mais o combustível e tampouco vai privilegiar a indústria nacional se esta não for mais competitiva que a estrangeira. “Não podemos esperar que tenha uma lógica diferente. É a lógica do negócio. Somos uma empresa e temos que apresentar resultados”, alerta Nelson Silva, diretor de Estratégia, Organização e Sistema de Gestão da Petrobras.

A Operação Lava Jato, que começou em 2014 ao descobrir um complexo esquema de subornos na Petrobras para enriquecer diretores e políticos, passou como um rolo compressor sobre a estatal brasileira. O cálculo do prejuízo da petroleira com a corrupção na companhia chegou a 6 bilhões de reais, mas esse não foi o único golpe. Formava-se a tempestade perfeita: uma recessão que reduziu o consumo de combustíveis, instabilidade política e, sobretudo, a queda do preço do petróleo. O barril de Brent despencou de 100 dólares (311 reais) em 2014 para 50 (155 reais) em 2015, atingindo em cheio as previsões financeiras da estatal. O setor petroleiro no mundo todo, não só a Petrobras, viu-se obrigado a revisar seus planos.

A Petrobras se propôs a mudar, começando por suas normas internas, para se proteger da corrupção. As mudanças na governança – mais controle e rigidez na contratação de diretores e o fim das decisões monocráticas – começaram a ser implantadas após o escândalo que estourou durante o Governo de Dilma Rousseff. As reformas estruturais, paradoxalmente, consolidaram-se com Aldemir Bendine, hoje preso acusado de corrupção.

Dilma foi destituída, e Michel Temer, também denunciado por corrupção, prometeu uma Petrobras com uma gestão empresarial sem interferências políticas. A nova equipe, presidida por Pedro Parente, concentrou-se então na nova estratégia da companhia, baseada principalmente em fazer caixa vendendo ativos e em segurar a dívida, o calcanhar de Aquiles da maior empresa do Brasil. A nova Petrobras, segundo especialistas consultados pelo EL PAÍS, é uma companhia com uma visão mais empresarial, mais dedicada aos acionistas e menos ao seu lado estatal.

A petroleira mais endividada do mundo

Após conquistar o título de empresa de petróleo mais endividada do planeta, com cerca de 125 bilhões de dólares (387 bilhões de reais) no vermelho, a redução da dívida e da conta dos juros tornou-se uma medida urgente. Um abismo separa a companhia de seus competidores. “Enquanto a Petrobras paga cerca de 7,3 bilhões de dólares (22,6 bilhões de reais) de juros, a maioria das empresas integradas do setor desembolsa em torno de um bilhão a 1,5 bilhão (entre 3,1 e 4,65 bilhões de reais)”, afirma Nelson Silva. “Essa diferença de seis bilhões de dólares (18,6 bilhões de reais) por ano que estou pagando de juros tira a minha capacidade de investir e pagar dividendos.” Silva continua: “Se minha situação financeira fosse como a dos meus competidores, poderia investir todo ano numa unidade inteira de pré-sal. Com a plataforma, os poços, as linhas de produção capazes de produzir 150.000 barris por dia... O custo de oportunidade disso é imenso. Daí a urgência de reduzir a dívida.”

O valor devido atingiu um ponto tão crítico em 2015 que, para pagá-lo, a Petrobras teria precisado usar toda a sua geração de caixa durante mais de cinco anos. O limite considerado razoável internamente é metade disso. Não é o ideal, mas é a partir desse coeficiente que se considera que uma empresa possui condições de financiamento no mercado. “Grande parte dessa dívida foi contraída com decisões de investimento em projetos, hoje parados, que não deram retorno e causaram um grande estresse na empresa”, explica Silva.

Para fazer caixa, a empresa cortou gastos e começou a se desfazer de ativos não estratégicos e menos rentáveis – uma abordagem já iniciada em 2012. A nova Petrobras tende também a se dedicar quase exclusivamente à produção e venda de óleo e gás, deixando para trás os negócios de fertilizantes, petroquímica, produção de biocombustíveis e distribuição de gás liquefeito de petróleo, considerados “áreas não estratégicas” e que “não geravam valor para os acionistas”.

A saída da Petrobras dessas áreas incomoda os especialistas do setor. “Claro que é muito mais fácil que a Petrobras, cuja produção não se compara com a das outras petroleiras, seja apenas exportadora de petróleo”, afirma Luis Eduardo Duque, ex-assessor da direção da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). “É mais fácil exportar petróleo bruto do que abastecer o mercado interno, mas, nessa equação financeira de recuperação da Petrobras, não há uma política industrial para o Brasil. A Petrobras sempre foi um motor da industrialização do país.” Jean-Paul Prates, presidente do Centro de Estratégias em Recursos Naturais e Energia (CERNE), também reivindica o papel da empresa na economia nacional. “A função da Petrobras não é só produzir petróleo e dar dinheiro aos acionistas. É fazer parte da gestão energética do país. Se não fosse assim, seria uma empresa privada qualquer.”

A venda de ativos tem também seus defensores. “Existe todo um argumento financeiro de que as empresas verticalmente integradas, que vão do poço de petróleo ao posto de gasolina, são mais rentáveis e enfrentam menos riscos. Mas, na prática, vimos ao longo de 20 anos que nem mesmo as grandes empresas internacionais conseguem adotar esse modelo”, explica Edmilson Moutinho, professor do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo (USP). “No caso da Petrobras, havia também uma questão ideológica e de política de Estado, segundo a qual cabia à empresa ter a cadeia de abastecimento completa. Postos de gasolina, distribuição, refinarias... nenhum desses setores é tão estratégico que não possa estar em mãos de outras empresas”, diz o professor, que no entanto aponta uma preocupação. “Se há um segmento em que a gente precisa da Petrobras é a área de gás, que, antes de qualquer energia renovável, vai ocupar um papel importante na matriz energética mundial. Não acredito que o Brasil seja capaz de desenvolver estrategicamente esse setor através de agentes privados.”

Redução de custos

Após questionar cada uma das atividades e gastos da empresas e renegociar contratos, a companhia também reduziu o quadro de funcionários. Muitos deles foram convidados a sair. De 2014 a 2016, cerca de 15.000 trabalhadores também aderiram a um programa de demissão voluntária. Em dezembro de 2013, havia 320.152 funcionários subcontratados trabalhando interna ou externamente para a companhia, um número que em junho de 2017 já havia caído para 98.395, considerando apenas os profissionais terceirizados que trabalham regularmente nas instalações da empresa.

A redução do número de funcionários está diretamente relacionada com a paralisação dos investimentos da empresa. Em função da redução de investimentos, várias obras pararam porque não eram prioridade ou porque não geravam retorno. Grande parte desse número está relacionada a pessoas que deixam de trabalhar para a petroleira através de firmas contratadas, segundo a empresa.

Lógica empresarial

Seguindo uma lógica empresarial, não mais governamental, a Petrobras também mudou sua política de fixação do preço da gasolina e hoje reflete, quase diariamente, as variações do preço do petróleo.

Durante o Governo Dilma, que esteve ligada à Petrobras durante 13 anos, primeiro como ministra das Minas e Energia e depois como integrante do Conselho de Administração, a companhia foi usada como instrumento de política econômica. A Petrobras oferecia preços mais baratos que os do mercado internacional, subsidiando a diferença. Um relatório da Organização Mundial do Comércio (OMC) estima que essa política de preços de combustíveis gerou perdas de cerca de 60 bilhões de reais. A estatal, segundo a OMC, “cobria a diferença entre os preços do mercado mundial e o preço nacional de combustíveis”. Segundo o relatório, “essa política custou bilhões de dólares à empresa e contribuiu para transformá-la na petroleira mais endividada do mundo”.

Para Jean-Paul Prates, do CERNE, o debate do controle de preços sempre está inserido na discussão sobre qual deve ser o papel do Governo na estatal. Ou seja: se o Governo deve ser mais ou menos controlador. Prates defende um meio termo. “Não sou a favor de um controle total, mas sim de que o país possa aplicar o benefício de ser autossuficiente na produção de petróleo. O Brasil deve ter vantagens para a sua economia e indústria. Não tem por que se impor as mesmas condições e estar exposto ao mesmo risco e volatilidade do mercado que o Japão, que não produz uma gota de petróleo”, afirma. Para ele, é importante ter um mecanismo de ajuste periódico transparente e previsível, sujeito a critérios-chave como a inflação, o valor do dólar/euro e os preços internacionais do petróleo e dos combustíveis. “Assim, você deixa o mercado funcionar e não isola o Brasil, mas tampouco deixa o consumidor brasileiro tão exposto como o americano ou o japonês, que dependem totalmente do mercado global. Do contrário, de que adianta ser um país que alcançou a autossuficiência na produção de petróleo [em 2006]?”

Abertura ao capital estrangeiro

A busca do equilíbrio financeiro também levou a Petrobras a procurar sócios e investimentos estrangeiros. Mudanças aprovadas pelo Governo, como o fim da obrigatoriedade da Petrobras como operadora nos campos do pré-sal e a flexibilização das exigências para contratar um mínimo de serviços e produção de empresas brasileiras, hoje atraem companhias de fora do mercado nacional. “Essas mudanças que favorecem o investimento e a nossa necessidade de desinvestir, sob o ponto de vista financeiro e estratégico, estão criando condições para o investimento de capital. E não só estrangeiro”, afirma Silva.

“A nova estratégia da empresa mostra que ela precisa se capitalizar. E um dos caminhos é retomar o que foi feito na época de Fernando Henrique Cardoso [1995-2002], que estabelecia sociedades com outras petroleiras. Essa política está sendo estimulada porque é uma forma de colocar dinheiro na empresa”, explica o consultor do setor Adriano Pires, diretor fundador do Centro Brasileiro de Infraestrutura, muito crítico em relação à gestão petista da companhia. “Na época do Partido dos Trabalhadores [2003-2016], existia um discurso nacionalista de que o petróleo e o pré-sal eram nossos. Acreditava-se numa Petrobras [que podia existir] sozinha, sem precisar de mais ninguém”, lembra Pires. Mas ele observa que a concentração de poder sobre a petroleira vale para quando ela está em tempos de vacas gordas e magras. “Além de monopolista, era a única compradora de bens e serviços do Brasil graças às políticas de conteúdo local, o que acabou destruindo a cadeia produtiva. Quando a Petrobras começou a ter dificuldades, as empresas que trabalhavam para ela pararam”, diz Pires.

As empresas brasileiras não terão por que ser favoritas

Reduzir as exigências de conteúdo local, abrindo oportunidades para os chineses, canadenses e norte-americanos, é uma das questões mais polêmicas na indústria que orbita em torno da Petrobras. Dilma sempre defendeu que valia a pena a Petrobras pagar um pouco mais no início para priorizar a produção de equipamentos, plataformas e sondas nacionais. Em seguida, segundo ela, a indústria ganharia escala e seria competitiva. A estratégia seria recompensada no médio prazo porque os preços cairiam e a Petrobras contaria com uma rede de distribuidores, favorecendo a empresa e a indústria nacional. Mas o modelo fracassou.

“As políticas de conteúdo local foram questionadas e perderam sentido no mundo inteiro. Uma empresa quer o melhor distribuidor, o que entrega antes, mais barato e com maior qualidade”, explica Moutinho, do Instituto de Energia e Ambiente da USP. “Essa política gerou empregos e resgatou investimentos, mas estava replicando um vício: a criação de empresas pouco competitivas e sem nenhum compromisso com a tecnologia e a pesquisa. Boa parte desses negócios que dependem da Petrobras não tem nenhuma capacidade de vender seus equipamentos em nenhum outro lugar do mundo. É o conteúdo local que queremos? Não é sustentável”, afirma o professor.

Essa nova forma de fazer as coisas incomoda a indústria nacional, em muitos casos dependente das atividades da maior empresa do país. “A Petrobras sempre ajudou as empresas locais e se interessava em ter produtos e distribuidores nacionais. Isso agora deixou de ser importante – e enfrentará resistência de nossa parte”, lamenta César Prata, presidente do Conselho de Óleo e Gás da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq). “Oitenta por cento das empresas brasileiras são pequenas e médias, e não têm essa facilidade para se desnacionalizar e sobreviver.” Duque, ex-assessor da direção da ANP, completa: “Ninguém nega que seja bom haver uma abertura no setor e mais empresas estrangeiras nesse cenário. Isso é bom para o Brasil. Mas os cortes da empresa não podem impor custos excessivos ao país. A Petrobras não pode fazer o que quer, tem que considerar o Brasil.”

Silva, que assumiu após o impeachment de Dilma, tem outra opinião: a Petrobras tem que contratar quem entregar mais rápido, barato e com a melhor qualidade, seja qual for a nacionalidade do distribuidor. “Como comprador de equipamentos, para fazer justiça aos meus acionistas, tenho que comprar o que for melhor, mais barato e mais rápido. Quero comprar o máximo possível no Brasil sempre que [o fornecedor] for competitivo. Não podemos esperar que tenha uma lógica diferente.”

Fonte: El País