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Impasse na privatização do aeroporto de Macaé ameaça retomada de investimentos no setor de petróleo


Com infraestrutura precária, o aeroporto de Macaé, no Norte Fluminense, tornou-se uma pedra no sapato de empresas da cadeia produtiva de petróleo. Sem voo comercial regular desde setembro de 2015 — devido às condições da pista de pouso —, muitas companhias se viram obrigadas a trocar o avião pelo ônibus para transportar executivos, perdendo produtividade e oportunidades de negócios num momento de retomada para o setor. Com a Infraero sem recursos, as empresas veem na privatização o caminho para que as obras para retomar voos sejam feitas no terminal. Mas uma briga política entre Rio e Espírito Santo põe em risco a licitação, prevista para este ano, justamente num momento de recuperação dos investimentos.

O governo capixaba questiona o modelo do leilão — que prevê a concessão em bloco dos aeroportos de Macaé e Vitória — e ameaça ir à Justiça. Alega que o valor da outorga seria maior se o terminal fosse leiloado individualmente, já que, recém-reformado, não precisa de obras imediatas. A concessão conjunta, portanto, traria danos aos cofres públicos. Já o governo fluminense vê na “venda casada” a chance de deslanchar o deficitário aeroporto de Macaé e preparar a cidade para a nova fase da indústria petrolífera.

Macaé é considerada a capital nacional do petróleo, base para gigantes do setor, como Petrobras, e fornecedores que atendem às demandas de produtos e serviços das plataformas da Bacia de Campos. Berço da exploração de petróleo em águas profundas no país, a produção petrolífera na Bacia de Campos — que abrange o litoral do Rio e do Espírito Santo — vem caindo, com a maturidade dos campos. Em 2017, porém, novas áreas foram ofertadas na 14ª Rodada da Agência Nacional do Petróleo (ANP), trazendo otimismo aos empresários. O investimento mínimo pelos próximos sete anos nos seis blocos arrematados é de R$ 570 milhões. E mais áreas devem ser ofertadas. A bacia era excluída das rodadas havia uma década.

EMPRESAS PERDEM PRODUTIVIDADE

A retomada dos investimentos deverá vir acompanhada de contratações. Com mais gente trabalhando, maior a pressão sobre os meios de transporte para deslocar técnicos e executivos. No auge da indústria do petróleo, em 2013, havia 836 mil empregos diretos e indiretos no país ligados ao segmento, segundo a Associação Brasileira das Empresas de Serviços de Petróleo (Abespetro). Com recessão, queda na cotação da commodity e crise da Petrobras — cujos dirigentes se tornaram alvo de investigação da Lava-Jato — esse número caiu a 397 mil em 2016, mas deve alcançar 734 mil em 2022. A estimativa da Abespetro é que 80% da mão de obra estejam distribuídas por Macaé e cidades vizinhas.

— Com o fim dos voos regulares para Macaé, as empresas perderam mobilidade e produtividade. E há o problema da segurança. Muitas não permitem que seus empregados peguem a estrada após 18h — disse Gilson Coelho, secretário-executivo da Abespetro. — Com a expectativa de recuperação do setor, fazer adequações na pista e construir uma nova é fundamental para voltarmos a ter voos regulares e podermos receber, inclusive, cargueiros.

A única empresa que fazia voos regulares para Macaé era a Azul. Em 2013, ela chegou a operar quatro voos diários, ligando a cidade a Rio, Campos, Vitória e Campinas. Naquele ano, 442.983 pessoas embarcaram e desembarcaram no aeroporto. Mas, para tornar seus voos mais rentáveis, a companhia mudou a frota. Desfez-se dos aviões menores e adotou aeronaves para cerca de 70 passageiros, cujo peso é incompatível com a pista do aeroporto de Macaé. Os voos para o município fluminense foram suspensos em setembro de 2015. Desde então, apenas helicópteros e táxi aéreo pousam por lá. No ano passado, o movimento foi de 179.888 passageiros. A Azul já disse ter interesse em retomar os voos, se forem feitos ajustes na pista.

O empresário Aroldo Alves Siqueira Júnior, dono da fabricante de equipamentos para plataformas Tech Ocean, sediada em Macaé, era um passageiro assíduo. A viagem levava apenas 40 minutos até a capital capixaba e, de lá ele seguia de carro até Aracruz, onde fica a segunda unidade da empresa. Desde que os voos foram suspensos, ele faz o trajeto de carro a cada dez dias e leva até nove horas. Mais oito executivos da empresa precisam se deslocar entre as duas fábricas de tempos em tempos. O trajeto é feito em ônibus fretado, que não sai por menos de R$ 2.500.

— O problema não é o custo, é o desgaste físico e psicológico. E o impacto na produtividade. Perde-se um dia de trabalho — lamenta Siqueira Júnior.

O governo federal pretende leiloar o aeroporto de Macaé e o de Vitória juntos. A licitação em blocos faz parte de uma estratégia que busca agrupar terminais por vocação de negócios e mesclar superavitários e deficitários. Assim, quem der o melhor lance leva um aeroporto que dá lucro e outro que dá prejuízo. Foram definidos três blocos: no Nordeste, são seis terminais relacionados ao turismo; no Centro-Oeste, cinco ligados ao agronegócio, e, no Sudeste, dois associados à indústria do petróleo. Inicialmente, os aeroportos de Santos Dumont e Jacarepaguá fariam parte deste grupo, mas percebeu-se que o baque nas finanças da Infraero seria grande demais e decidiu-se deixá-los de fora. O prazo da consulta pública para a concessão dos três blocos terminou sexta-feira. O objetivo é licitá-los este ano.

O governo fluminense vê na licitação conjunta um caminho para dinamizar o aeroporto de Macaé. A estimativa oficial de recursos que devem ser aplicados no terminal ao longo de 30 anos de concessão é de R$ 324 milhões, sendo algumas demandas imediatas, como a construção de uma nova pista. Isso poderia viabilizar pouso e decolagem até de cargueiros. Hoje, o transporte de carga é feito pelo aeroporto do Rio ou de Cabo Frio e segue por rodovias até a cidade. Segundo a Infraero, enquanto a licitação não sai, estão sendo feitos ajustes na pista atual, numa tentativa de retomar voos regulares de passageiros.

— O aeroporto de Vitória recebeu muitos investimentos nos últimos anos e chegou a ter obras paradas por suspeitas de sobrepreço — disse Delmo Pinho, subsecretário de Transportes do Estado do Rio.

As obras no aeroporto de Vitória foram paralisadas em julho de 2008 após o Tribunal de Contas da União (TCU) apontar suspeitas de superfaturamento. A Infraero tentou repactuar o valor com o consórcio responsável pelo projeto, mas não obteve sucesso. As obras só foram retomadas em 2015, sob novo contrato, e foram inauguradas em março. A capacidade foi ampliada de 3,3 milhões para 8,4 milhões de passageiros por ano. Suficiente para atender a demanda por 15 anos, segundo a Infraero. Ainda assim, estima-se que sejam necessários R$ 320 milhões ao longo de 30 anos de concessão.

Mas o modelo de licitação desagradou ao governo do Espírito Santo, que vê no deficitário aeroporto de Macaé um inibidor de interessados no de Vitória.

— Se licitados em bloco, esses aeroportos vão atrair empresas com expertise em construção, não em gestão aeroportuária, que é o que precisamos em Vitória. Vamos a todas as instâncias para barrar esse modelo, inclusive à Justiça, se necessário — disse Alexandre Nogueira Alves, procurador do estado do Espírito Santo, que já se prepara para encaminhar ao TCU uma representação questionando o modelo.

OPORTUNIDADE PERDIDA

Há duas semanas, o governador Luiz Fernando Pezão esteve com o presidente Michel Temer, em Brasília, para cobrar uma posição do governo a favor do leilão conjunto. O governador Paulo Hartung lançou mão de uma última cartada: propôs a concessão em bloco dos aeroportos de Macaé, Santos Dumont, Vitória e Linhares (ES). Mas a proposta não foi bem recebida em Brasília. Para isso, seria preciso recomeçar todo o processo, dos estudos de viabilidade às audiências públicas.

— Não cabe ao governo ajudar um estado e prejudicar outro. A filosofia por trás desse modelo é que a Infraero trabalha num sistema de caixa único, com subsídios cruzados. Ela não pode vender apenas o que dá lucro e ficar com o que dá prejuízo. A licitação em bloco é uma praxe em vários países, como Espanha, Portugal e México — diz Dario Lopes, secretário nacional de Aviação Civil.

Enquanto os ânimos permanecem exaltados e a licitação, ainda sem data, os empresários em Macaé enfrentam dificuldade para fazer negócios. Antonio Severino dos Santos é dono de uma importadora e presta serviços ao setor petrolífero. No ano passado, na 9ª edição da Brazil Offshore — feira que reúne fornecedores da indústria do petróleo em Macaé —, Santos não conseguiu trazer seu parceiro internacional por falta de voos diretos a partir do Rio.

— Perdi oportunidade de negócios. Esperamos que, na edição do ano que vem, a cidade já esteja conectada.

Fonte: O Globo