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Firjan defende diversificação de negócios e interação entre políticas públicas para reanimar indústria naval do Rio


A indústria naval nacional sofre com efeitos de uma crise que insiste em castigar. No Rio de Janeiro, o recente anúncio da suspensão das atividades do Estaleiro Brasa é emblemático, porque reflete o momento de dificuldades pelo qual o setor passa diante da falta de novos negócios. Contudo, os avanços conquistados pelo segmento em tempos de bonança não podem ser perdidos. Por isso, a Firjan elaborou recentemente um conjunto de propostas que visam ajudar a reanimar a indústria naval fluminense. “Você não deve ter apenas, necessariamente, construção de casco e FPSOs. Existe uma gama de outros segmentos que a indústria pode trabalhar. São muitas as oportunidades que devem ser transformadas em demandas reais”, afirmou a gerente de óleo e gás da federação, Karine Fragoso. Dentre os potenciais mercados, estão o de construção de embarcações para turismo e defesa, além de serviços de reparo e manutenção.

Outro ponto defendido pela Firjan é que políticas públicas do governo tenham uma maior interação entre si, o que ajudaria o setor a se desenvolver ainda mais. “A exemplo do mercado de energia, que passou por aquela crise no final dos anos 1990 e início dos anos 2000, e depois se estabeleceu o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), a política industrial deve ter um organismo que faça a gestão estratégica de todas essas ferramentas”, afirmou o especialista em óleo e gás e naval da Firjan, Heber Bispo.

Heber - Um dos pontos defendidos pela Firjan é a respeito de uma política industrial de Estado para o desenvolvimento da indústria fluminense. Gostaria que começassem falando sobre isso.

Karine – É necessária uma coordenação de ferramentas de políticas públicas, não só para o ambiente naval, mas para toda a indústria. Além desta coordenação, é fundamental que elas alcancem uma meta estabelecida. Isso é uma base conceitual de qualquer política pública.

Um dos pontos que mais destacamos, de uma forma mais macro, é a questão da pesquisa, desenvolvimento e inovação (P,D&I). Precisamos ter o P,D&I olhando para o ambiente do naval. Temos que trabalhar os níveis de produtividade e entendemos que é possível por meio de pesquisa e desenvolvimento, a partir de um ambiente intra-industrial.

Outro ponto importante é a coordenação e o alinhamento na visão fiscal para esse ambiente. Também chamamos a atenção, especialmente no caso do Rio de Janeiro, para os custos da mão-de-obra. É um fator que impacta diretamente na nossa produtividade.

Então, a proposta é que as políticas públicas tenham ligação entre si?

Heber – Como gostaríamos de pensar nas políticas de desenvolvimento industrial de forma estratégica, entendemos que essas ferramentas precisam estar integradas. Fizemos uma avaliação de integração das ferramentas existentes e percebemos que, por exemplo, o FMN e as rodadas de licitação da ANP têm um alto índice de correlação com todas as outras ferramentas.

Então, além de um calendário e um cronograma que garanta uma demanda perene e contínua, é preciso integrar aquelas ferramentas que estão com baixa integração com as demais, como é o caso da cláusula de P,D&I. Não temos uma cláusula de P,D&I pensando em melhorar os processos da indústria naval e desenvolver soluções para atualização tecnológica do setor.

Além de políticas públicas, o que foi detectado em relação à mão de obra?

Heber – Nós acreditamos que devemos formar indivíduos com a cultura da produtividade. Temos que nos preparar para a indústria 4.0 e para o novo milênio industrial. As pessoas que começam a trabalhar em determinada função hoje lidam com um tipo de tecnologia. Mas elas precisam se preparar para as novas tecnologias.

Karine – Ouvimos falar muito sobre transformação digital. O que precisamos fazer é uma transformação de modelo mental. Isso tem que estar inserido no novo profissional para essa nova indústria. As coisas precisam estar conectadas. Não dá para falar de transformação digital e inovação sem falar de capacitação profissional. É necessário avançar no modelo mental de como entendemos esse ambiente. Precisamos caminhar para uma modernização do nosso parque, com o entendimento de que existem outros segmentos que precisam ser trabalhados.

Quais segmentos são esses?

Karine – Você não deve ter apenas, necessariamente, construção de casco e FPSOs. Existe uma gama de outros segmentos que a indústria pode trabalhar. São muitas as oportunidades que devem ser transformadas em demandas reais. Mas, para isso, existe um dever de casa a ser feito.

E qual é o dever de casa?

Karine – Ele depende de aspectos intra e extramuros. Temos as variáveis do Custo Brasil que precisamos atacar. Estamos falando de custos de financiamento, custos de nossa mão de obra… Devemos avaliar como podemos nos apropriar de uma reforma trabalhista para fazer com que tenha resultados positivos dentro desse ambiente para poder se tornar mais competitivo frente ao mercado.

O Brasil tem um potencial enorme, mas só conseguiremos participar dessa demanda real se realmente formos competitivos para estar participando dessa demanda. Precisamos de algumas ferramentas para nos tornarmos mais competitivos. De fato, acontece que temos indústrias e estaleiros que são competitivos intramuros. Mas, com o Custo Brasil, eles perdem competitividade. Temos que trabalhar nas variáveis exógenas para aumentar a competitividade da nossa indústria.

Que variáveis são essas?

Heber – Dentro dessas variáveis exógenas que a Karine citou, temos que entender que a solução passa além de pensar na indústria naval. É preciso pensar numa política industrial como um todo. A exemplo do mercado de energia, que passou por aquela crise no final dos anos 1990 e início dos anos 2000, e depois se estabeleceu o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE).

A política industrial deve ter um organismo que faça a gestão estratégica de todas essas ferramentas. A arquitetura dessa infraestrutura de ferramentas de política industrial precisa ser organizada e planejada de forma estratégica para que, de fato, a indústria seja desenvolvida.

Falamos muito sobre o que deve ser feito no aspecto político. Podem detalhar como as empresas podem também contribuir para aumentar a sua competitividade?

Karine – Temos um dever de casa, que é fazer esse exercício de redução de custos, trabalhando em variáveis para alcançar competitividade. Uma delas é a produtividade através das variáveis de custo de mão-de-obra e dos custos associados, porque isso impacta. Além disso, a internalização de ferramentas tecnológicas hoje disponíveis. Falando dos nossos estaleiros do Rio de Janeiro, alguns já têm essa modernização. Outros não. Então, temos esse gap a ser trabalhado. Fundamentalmente, acreditamos na especialização por segmento, mas com uma visão de sustentabilidade.

Vejamos o exemplo do passado. Se eu sou um estaleiro que só constrói para o offshore, no momento em que ocorre uma quebra do calendário de leilões – como aconteceu no Brasil – eu passo a viver um momento dramático. Então, as empresas precisam olhar para outros segmentos.

Quais segmentos identificados pela Firjan como potenciais?

Karine – O Rio de Janeiro ainda é o primeiro destino para turismo e lazer, mas não é o primeiro para a fabricação de embarcações para este nicho. Precisamos avançar nesse mercado. Outro segmento é o de reparo e manutenção, porque dá sustentabilidade a longo prazo. Em caso de uma nova crise, será possível se sustentar com reparos e manutenção.

O mercado de defesa é um ambiente de oportunidades. Precisamos também fazer o dever de casa para esse segmento, trabalhando para tornar essa demanda concreta. Temos ainda a parte de apoio marítimo e descomissionamento. Esta última ainda precisamos estudar melhor. Ainda não temos firmeza para afirmar que nós, como Rio de Janeiro, teríamos potencial para esse setor, por conta das necessidades de área. Talvez, tenhamos mais potencial para a área do Norte Fluminense.

Heber – Bem objetivamente, a nossa visão é identificar as vocações. Temos o privilégio de ter o mercado na nossa porta, como é o caso de reparo e manutenção. O Rio de Janeiro está bem localizado. Essa vocação alinhada ao trabalho de torná-la mais competitiva é um ponto focal. Outro ponto é trabalhar estas questões de custo do Rio de Janeiro, mas também através de soluções tecnológicas e de processos; novas visões para criarmos novas soluções e aproveitar o grande mercado que o Rio de Janeiro tem. Não é só o óleo e gás. Temos turismo, cabotagem, defesa e uma série de mercados que precisam ser trabalhados e desenvolvidos.

Karine – É óbvio que temos uma tendência a concentrar nosso esforço para os grandes estaleiros, que são os grandes fornecedores. Mas existem outros estaleiros também, de médio e pequeno porte que atendem estes segmentos. Temos que ter uma visão um pouco mais ampla.

Fonte: Petronotícias